ZAPOESIA | TEMPO REGULAMENTAR, POR MARCELO FERRARI

TEMPO REGULAMENTAR


Parecia xerox. Todo dia era o mesmo dia. Todo dia eu tinha que ir no cartório autenticar aquelas cópias heliográficas. Pra agilizar, nem tirava o capacete, entrava parecendo astronauta. Ninguém reparava. Eu era só mais um motoboy pra somar com a penca que já estava na fila. Aliás, nós nem eramos motoboys, éramos um dia no cartório, éramos o lado de fora do balcão. O lado de dentro eram os robôs carimbadores. Pá-pum, pá-pum, pá-pum, pá-pum, próximo. Pá-pum, pá-pum, pá-pum, pá-pum, próximo. Porém, não éramos os únicos frequentadores. Haviam pessoas que chegavam com um brilho destoante nos olhos. Pessoas que pareciam enxergar na mesmisse de balcões, mesas, papeis, carimbos e capacetes, algum tipo de paraíso invisível pra nós. Chegavam sorridentes, perfumadas e nem entravam fila, iam direto pra sala "casamentos". Pelo vidro da porta, enquanto estas pessoas (noivos) assinavam os documentos, não era difícil ver o escriturário coçando o saco e olhando no relógio, louco pra chegar a hora do almoço. Pros noivos, aquele era o dia. Pros padrinhos de aluguel (funcionários), aquele era um dia, apenas mais um, no qual se empenhavam bravamente pra transformar em menos um. Foi num dia desses que entendi que toda agenda tem 365 dias, mas nem todo dia está na nossa agenda. Ontem, 08 de dezembro de 2011, foi o dia que entrou vários dias na minha agenda. Ontem foi o dia que durou sete e que fez meus ponteiros andarem no sentido anti-horário. Hoje é depois do dia. E o relógio voltou ao tempo regulamentar.

Passa tudo na vida, tudo passa, mas nem tudo que passa a gente vive.

“Passa tudo na vida, tudo passa, mas nem tudo que passa, a gente esquece”. Mote dado por Das Neves Marinho, em outubro de 1980, num festival de repentista em Viçosa/CE.

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